segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Por homens e livros


Pesquisa diz que o brasileiro lê menos do que há dois anos. Uma pena, mas apenas reflexo de um tempo em que vivemos.Pode-se acusar o que for, a Internet, a televisão, o sistema. Na verdade, tudo junto e equacionado tem culpa nesse desinteresse, mas onde entram os professores nisso? É uma obrigação quase a que nossos docentes têm em incentivar nos alunos o hábito da leitura. E não a leitura cotidiana de jornais, revistas, blogues, úteis também, mas a leitura de livros mesmo. De papel. E não os abjetos romancinhos Júlia e Sabrina ou as sumidas (faz tempo que não vejo) histórias de faroeste que vinham naqueles livretos de bolso baratinhos. É livro mesmo. Digno do nome.


Minha geração, de trinta anos atrás, foi a última que saiu nos anos de ditadura militar. Na verdade, nem sabíamos disso. Quando éramos crianças, a ditadura já caducava e cairia cedo ou tarde, mas os reflexos da castração intelectual produzida pelos seus dias de vigor nos acompanharam e nos acompanharão pelo resto de nossas vidas. É algo pessoal, claro. Há os que amem ler como os que amam jogar bola, ir pra balada, encher a cara e por aí vai. Mas é um hábito que deve ser praticado, se não cotidianamente, com uma freqüência muito maior que é a de hoje. Infelizmente, tudo joga contra.


Hoje a ler um bom livro de Machado de Assis, só pra ficar num exemplo pessoal, que foi por onde comecei a tomar o gosto pela leitura, o moleque de dezesseis anos prefere ou ver os clipes da MTV ou assistir as trocentas bobagens que a TV oferece. E tome BBB, tome novela, tome filmes que pintam o hábito da leitura como algo vazio, algo sem sentido, quase um anti-exemplo. Me contaram de uma novela, um filme, um programa, sei lá, em que havia uma escola onde, para o aluno que transgredia regras, ele deveria ficar lendo um livro. Ou seja, de um prazer saudável e engrandecedor, a leitura virou um castigo, uma pena. Ou você se comporta ou vai ler.


E não há verdade mais absoluta que quem lê mais fala melhor, se comunica melhor, escreve melhor e, sobretudo, pensa melhor. Pode ter certeza que grandes escritores de qualquer nacionalidade eram leitores ávidos. De novo falando do meu professor Machado de Assis, tinha uma leitura tão vasta que seus livros eram verdadeiros diálogos entre seus personagens e as obras lidas por ele. Chico Buarque, um de nossos maiores compositores musicais e grande escritor, usava demais da literatura em suas letras (“Devolva o Neruda que você me tomou/E nunca leu”) mesmo na sua literatura. Sua adaptação d’Os Saltimbancos vem de Victor Hugo e seu livro Fazenda Modelo é baseado em A Revolução dos Bichos. Todo esse cabedal transformou o velho Francisco Buarque de Hollanda no Chico Buarque que conhecemos e admiramos.


Mas conhecemos e admiramos porque entendemos suas letras, que nem sempre são rebuscadas ou pedantes, apenas usam um vocabulário, digamos, mais intermediário e que não é compreendido pela massa, justamente pela falta de leitura. E quando falo massa, não me refiro a classes baixas, marginalizados. Acredite ou não, mas gente da nossa arrogante classe média é tão iletrada e tão funcional ou culturalmente analfabeta quando a “gentalha” que eles adoram esculachar. As pessoas de classes mais baixas têm como atenuante todas as dificuldades que a vida e sociedade lhe impõem. Os mais endinheirados um pouquinho o são por pura preguiça e descaso. E se orgulham disso. Já vi gente de mais grana dizer que ler é perda de tempo.


A pesquisa fala que o brasileiro também perdeu o interesse por programa culturais em geral como teatro e exposições. Dizer que são programas caros seria uma explicação plausível se não houvesse as ótimas iniciativas de entidades como o SESI ou o SESC, que trazem exposições e peças teatrais gratuitas ou a preços mais acessíveis. Pode não ser uma ida ao Guggenheim ou uma peça grandiosa, mas são tão boas quanto. Em Sampa, cansei de ir em ótimas exposições e em cenas teatrais que nada deixam a dever a uma congênere de duzentos paus a entrada. Infelizmente, a verdade é que, diferente das gerações anteriores, as atuais se acomodam demais diante da televisão e são catequizados numa forma de cultura mais pasteurizada, mais rasteiras. Daí saem as duplas sertanejas universitárias (que luxo, hein?) que adoram beber até cair, os grupinhos de rock que baseiam toda sua composição num refrão fácil que pegue e faça sucesso vendendo discos. Falar de rappers e de funqueiros poderia ser um ataque fácil, mas eles são apenas produtos do seu meio. E dentro da rap, vide Racionais MCs e outros, há quem faça verdadeira poesia dentro do estilo. Os funks são aquilo que acontecem nos bailes. Mas há quem consiga fugir do batidão cansativo e das letras descartáveis. Esses, infelizmente, não vendem, não passam na televisão nem chamam a atenção. Do que se conclui, definitivamente, que mesmo nas partes mais baixas de nossa sociedade há uma vontade de fugir da pior pobreza que existe, a de espírito, e indo atrás, mas essas têm menos chance de lutar contra as imposições culturais rasteiras dadas pelas grandes mídias, essas, sim, sinônimo de cultura para a maioria. Infelizmente.

Um comentário:

  1. Isso é verdade. mais tambem um livro custa uma verdadeira fortuna. ai a molecada de hoje prefere ir a show inuteis que sai mais barato. beijos.

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