segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Dois tempos, dois mitos

Acabou o Mundial de atletismo em Berlim, competição que teve como principal destaque o jamaicano Usain Bolt quebrando recordes, ganhando medalhas e sedimentando o título de homem mais rápido do mundo. E entre uma corrida e outra, o nigérrimo Bolt ainda achava tempo pra conquistar algo mais: A simpatia germânica. Bolt e a Jamaica foram a moda da semana em Berlim.


E isso termina, um tanto a contragosto, desenterrando um fantasma muito incômodo. É sabido que o Estádio Olímpico de Berlim foi construído especialmente para as Olimpíadas de 1936, auge do nazismo alemão, evento em que Hitler quis demonstrar ao mundo a supremacia ariana. O intento foi massacrado pelos passos rápidos de outro negro: Jesse Owens. A diferença é que o sucesso de Owens calou platéia atônita ao ver seus super-homens batidos e enfureceu o Fuhrer, que se recusou a cumprimentá-lo. O palanque de onde Hitler e seu racismo institucionalizado foram humilhados ainda resta no Estádio, vazio.


Dois negros em épocas diferentes proporcionaram emoções diametralmente opostas. Por quê? Não foi a queda do Nazismo porque, se não é tão forte politicamente, o ideário hitlerista persiste em cabeças doentes na Alemanha do pós-guerra. Alguns elementos levaram a isso. O principal é Bolt ser um midiático simpático e irreverente. Cada apresentação sua antes das corridas era envolta de um gracejo, um sorriso, uma brincadeira. E isso agradava. Outra, Bolt é carismático. E isso não é fácil. Owens viveu numa época em que ser negro, tanto nos EUA quanto na Alemanha era algo muito difícil. Segregados num ou noutro, os negros se destacavam em duas searas, o esporte ou a música. Mesmo assim, a pecha “negro” era carregada. Além disso, a mídia tinha pouco alcance. Owens foi um personagem emblemático menos pelo seu talento, um velocista como poucos, e mais pela derrota imposta aos arianos. Owens foi homenageado pela delegação estadunidense neste Mundial com as iniciais JO no uniforme.


Doravante, Berlim seguirá sendo sinônimo de sucesso dos negros nas pistas. Mas agora, além daquela histórica vitória frente à ignorância ariana, a cidade será lembrada pela semana em que um negro conquistou o ouro nas pistas e os corações de uma platéia outrora indignada com a derrota dos seus.

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