terça-feira, 30 de junho de 2009

Lucy in the Sky with Maionese

Se tem algo que me deixa embasbacado é o poder de achismo que certos meios de comunicação tem, sobretudo revistas que abordam temas científicos de uma forma mais “digerível” para os leigos. E nesse quesito, nenhuma consegue bater a Superinteressante, publicação mensal da Editora Abril. Sim, a revista aborda temas muito interessantes mesmo (a edição desse mês fala sobre paranormalidade da forma menos “abrilista” possível. E se sai bem). O problema é quando eles se metem a praticar o exercício de previsão deles. E a Super tem uma coluna chamada “E se..” em que os redatores imaginam como certas situações seriam se não houvesse os eventos que terminaram fazendo o que são. E tome suposições de “E se o Ayrton Senna não tivesse morrido?” (na cabeça deles, o ele seria multicampeão e Schumacher teria morrido), “E se Cuba abandonasse o comunismo?” (E aqui, o abrilismo direitista sem vergonha e mau caráter impera: Cuba seria um paraíso e um país desenvolvido graças à educação de primeiro mundo que o país tem. Que essa educação é fruto exclusivo do socialismo, isso ninguém lembra, claro). Enfim, a coluna viaja numa maionese psicodélica temperada com a mão capitalista da editora. A coisa termina sendo engraçada pra quem tem um conhecimento básico sobre assuntos históricos.

A edição desse mês veio com uma suposição das boas. “E se a segunda Guerra Mundial não tivesse acontecido?”. Na visão dos editores, o nazi-fascismo imperaria no mundo e não demoraria para seus tentáculos chegarem à América Latina. Vamos ver algumas das piradas que o pessoal do jornalismo científico da Marginal Pinheiros, afinal se eles podem viajar na maionese, não vejo porque eu não posso:



Bom Velhinho – Sem a Segunda Guerra, Adolf Hitler não deixaria de ser um ditador psicopata. Mas, envelhecendo no poder , seria um ícone onde o fascismo chegasse ao século 21 – tão respeitado nesses lugares quanto Stalin, outro carniceiro, é nos países comunistas.


De verdade, alguém acredita que Hitler se eternizaria no poder? Na própria Alemanha, o Führer, assim como Stalin nos países “comunistas”, não era unanimidade e sofreu golpes. A Operação Valquíria foi frustrada, mas certamente deixou sementes. É de bom tom lembrar que outros carniceiros como Idi Amin, Baby Doc, Salazar além do próprio Mussolini, inspiração de Hitler foram depostos por levantes populares. Os verdadeiros carniceiros não duram sem respaldo do povo.





Fascismo Verde-Amarelo O Movimento Integralista, que surgiu no Brasil no início de século 20, poderia ser hoje um partido político como outro qualquer.


É mesmo? Puxa, o PTB, herdeiro dos ideais de Vargas é um partido como outro qualquer. O PCB, que surgiu e foi jogado na clandestinidade, é um partido como outro qualquer. Sem contar que, mesmo não sendo um partido político instituído e formal como outro qualquer, o Integralismo não está morto e ainda angaria a simpatia de uma parcela incômoda. Além de contar com políticos de razoável apoio popular em partidos existentes (Maluf, Bolsonaro, Amin, ACM, etc.). Mas não se pode crer que, como um partido como outro qualquer, ele imporia sua vontade. Apanharia nas urnas como um partido político como outro qualquer.



Nações Hermanas – Moraríamos na URFS (União das Repúblicas Fascistas Sul-Americanas), um país formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai pela influência dos nazistas. Seria o 8º PIB do Planeta. Além disso iríamos para a África do Sul com uma equipe imbatível: O uruguaio Lugano chefiaria a zaga, Messi e Kaká regeriam o meio. Na frente: Robinho e Tevez.


Vamos usar a cabeça um pouco. Na hipotética possibilidade em que o nazismo desse as cartas no mundo e a Alemanha fosse a cabeça desse bloco bem sucedido, porque ela montaria um super país com nações marginais na geopolítica da época? Seguindo a hipótese no mundo real, os EUA poderiam formar um país com eles, o México e todos os países da América Central e a Colômbia, o que não fez – pelo menos na prática. A principal ameaça e inspiração dela estava ao lado e se chamava URSS. Seria mais inteligente montar esse país anexando França, Itália, Bélgica, Holanda e Áustria, países vizinhos, fortes economicamente e com algum laço histórico com a Alemanha. Quanto à seleção, essa sim seria o lado bom desse novo país. E ter essa turma toda comandada pelo Maradona, é claro.



Enéas Presidente – O fascismo virou coisa do demônio por causa da 2ª Guerra. Sem ela, o mundo ficaria dividido entre três blocos de poder: comunismo, capitalismo liberal e fascismo. O socialismo colapsaria de qualquer forma e o fascismo tenderia a ficar mais democrático. Mas num cenário assim, a idéia de um radical de direita como Enéas Carneiro na presidência não seria absurda. E o Brasil teria sua bomba atômica.


Temos aqui o erro clássico de todo direitista funcional e ideologicamente analfabeto: confundir comunismo (que nunca chegou a existir) com socialismo, que existiu e ainda existe, o que prova que colapso não houve, mas está tão viciado quanto o tal capitalismo liberal que está sob mais uma crise. Voltando ao principal, essa hipótese é a mais correta de todas. O fascismo amaciou e está, sim, mais democrático tanto que temos um fascista governando São Paulo pelas vias “democráticas”. Mas essa tese derruba todas as outras. Se o fascismo ficaria mais democrático, Hitler não envelheceria no poder, pois seria derrotado nas urnas. Os integralistas seriam um partido político, mas inexpressivo como foi o PRONA do Enéas. Além do mais o “amaciamento” do fascismo abriria as portas para as independências dos países da suposta URFS formando quatro países novos como a URSS deu lugar a quinze repúblicas.


No entanto é bom lembrar que quem sepultou os anseios fascistas na Europa foram os soldados de Stalin. Assim, me permitindo a divagar como fez a revista, o fascismo, na realidade paralela como na factual, seria derrotado pela URSS e o mundo viveria sob a batuta do império soviético. E nesse cenário, Cuba seria uma potência, o Brasil teria eleito Lula há uns trinta anos, Dilma há uns dez. Calhordas intelectuais como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e Roberto Campos estariam condenados a trabalhos forçados na Amazônia, que seria nossa Sibéria e uma editora como a Abril funcionaria na clandestinidade. Vendo pelas duas últimas suposições, não seria tão ruim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário