segunda-feira, 8 de março de 2010

Crônica da Semana

Peço licença para postar, na Crônica da Semana, um texto de minha autoria. Sei que sou meio atrevido de emparelhas meus escritos ao lado de feras como Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade. Para tais liberdades, tenho o Poesias em Dia, mas a data e a admiração que tenho pelas mulheres além do meu desleixo em ter perdido uma outra crônica que escrevi há tempos sobre o mesmo tema me fizeram escrever algo de supetão. Saiu e posto para a leitura de vocês.


A mulher e a mulher em formação


Eram duas, mãe e filha. Moravam sozinhas desde que ela se separou do pai e a menina ainda era de colo. Agora, com doze anos, ela não tinha grandes lembranças do homem que a fez vir ao mundo. Não que o desconhecesse, mas os encontros eram tensos. Sua mãe não o suportava e ele a tratava com certa distância aproximando-se apenas quando convinha e o nome da conveniência era carência afetiva. Ou, num português cristalino falta de mulher. Acontece que a mãe, mulher feita e experimentada pela vida em seus trinta e cinco anos, sabia as razões pelas quais era procurada pelo homem que lhe fez mulher e mãe. Cedera no começo porque acreditava nas promessas dele. Com o tempo, elas não colavam mais e a cada tentativa dele ela tinha a devida réplica e o choque era inevitável.

A menina via isso de longe. Sabia que a mãe não gostava de seu pai e que fazia o máximo para não deixar isso transparecer, mas não conseguia. Ou a menina era esperta demais para sua pouca idade ou virava mulher antes do tempo, o mais provável. Quando criança, brincava de casinha, mas não tinha marido. Ela era mãe e pai de suas bonecas. Brincar com meninos? Às vezes, tinha alguns amiguinhos na rua, mas mantinha devida distância. Involuntariamente tomou certa precaução contra os homens. Mas oras... Se não precisava de nenhum. Até os cinco anos viveu com a mãe e a avó. Depois, a mãe passou num concurso, depois de rachar de estudar privando a menina de zelos e mimos, mas elas foram morar sozinhas. Agora, no comecinho da sua adolescência, tinha o que muitas amiguinhas da escola se gabavam: Computador, televisão de tela plana, seu próprio som. Tudo isso conseguido com suor da mãe.

Sim, só da mãe, porque de tanto o pai deixar de pagar pensão, sumir, dar trabalho e dor de cabeça, ela achou melhor não contar com ele. Quando ele soube que a filha estudava numa escola boa, foi ridicularizar a mãe dizendo que ela tinha arrumado um namorado bacanudo que dava para a menina o que ele não podia dar. Foi quando ela viu a primeira discussão feia dos dois e ouviu a mãe falar tudo aquilo que ela proibia ser dito pela filha. E outras coisas muito piores.

Um dia, num oito de março, pouco antes de fazer seus treze anos e colocar mais ainda os pés na adolescência, caminho irreversível de espinhas, mudanças no corpo e na voz, a mãe, vendo que já não tinha mais uma criancinha em casa – já usava sutiãzinho há um, dois anos – chamou a filha e começou a lhe dar conselhos de vida. De como agir e não agir quando topar um homem safado. A menina, que aprendeu com a avó que ouvido se tem dois e boca se tem uma para se ouvir mais do que se fala, ficou quieta atenta nos conselhos que a mãe transmitia como uma cartilha memorizada. Ao perceber que a menina não dizia palavra, a mãe exortou:

- Fala alguma coisa, minha filha. Parece um dois de paus me ouvindo.

- Pode deixar, mamãe. Tudo o que a senhora disse, a senhora falou durante a minha vida toda sem precisar abrir a boca. Vou estudar e vencer, que nem a senhora. Se eu achar um papai (apesar de tudo, ela exigia que a filha o respeitasse e o tratasse como papai) por aí e ele for como o meu papai, nunca que eu terei uma eu. Sou uma mulher em formação e estou aprendendo direitinho. Não precisa se preocupar.

E deu uma rosa para a mãe que a abraçou. A semente estava plantada em solo fértil. Podia ser bobagem de criança, mas ali estava uma mulher quase feita.


Francisco Libânio,

08/03/10, 7:17 PM



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