
Hoje se completam vinte anos da queda do Muro de Berlim, a ilustração táctil do que se convencionou chamar de Guerra Fria, a bipolaridade mundial entre o capitalismo e o “comunismo”, a economia livre e a de Estado, o azul e o vermelho, a águia e o urso. Com a queda do muro, convencionou-se dizer que o socialismo morreu. Os Estados Unidos, segundo a mídia do lado de cá do Muro, vencera. Imagens de famílias se reencontrando, alegria, festa, orientais cruzando o limite que lhe custaria as vidas, um país dividido se reunificara. Com o Muro, caía o “comunismo”. A festa dos chavões foi de arromba.
O que aconteceu depois da queda do muro? Mais chavões para a resposta. A União Soviética caiu se despedaçando em quinze repúblicas. Caiu também a Cortina de Ferro, os países do lado de lá do Muro abriram suas portas para a democracia, o “comunismo” morreu sobrevivendo capenga apenas na Cuba de Fidel e na China mostrando o atraso frente ao sucesso da liberdade que proporcionava o lado de cá. Na Alemanha, o país se tornou o mais desenvolvido da Europa, a terceira potência econômica do planeta atrás de Estados Unidos e Japão. A União Européia abarcou diversos países do antigo bloco socialista dando-lhes benesses que o lado vermelho jamais daria. Agora, a Europa era um continente uniforme, agora o mundo viveria uma nova ordem mundial mais livre apesar dos resíduos “comunistas”.
Mas o que aconteceu depois? A liberdade proposta pelo nosso lado do Muro mostrou que não é tão absoluta. Os libertários azuis deram carta branca para gente como Alberto Fujimori, no Peru e ainda preservou gente como Robert Mugabe, no Zimbábue ou Hosni Mubarak, no Egito. A paz almejada e proposta pelo lado ianque se fez mostrar no Iraque e no Afeganistão e tentou se instalar na Somália, mas não deu muito certo. As oportunidades que o capitalismo prometia para seus novos clientes não eram tão acessíveis assim. Pelo menos a uma grande parte deles. Anomalias e efeitos colaterais como miséria, má distribuição de renda, desemprego, exclusão social e carestia começaram a surgir em países como Polônia, Hungria ou na Rússia, a maior e mais representativa herdeira do antigo regime soviético. A Europa que chegava para seus novos associados não apreciava os mais pobres. Mas isso estava no programa. Aqueles que tentavam chegar ao eldorado prometido pela livre iniciativa e pelo livre mercado passaram a ser duramente reprimidos. Imigrantes do Leste Europeu passaram a ser perseguidos na nova Alemanha. Os irmãos orientais passaram a ser preteridos e o lado leste do país tem índices sociais mais baixos em relação aos que estavam do outro lado.
Não que o lado de lá do Muro fosse um paraíso na terra. Sua queda serviu pra apear gente despótica como Ceausescu, na Romênia e Honecker na Alemanha Oriental, que deixava de existir. A corrupção que brotou na Rússia apenas mostrou a cara, mas já existia em tempos soviéticos. A questão não era ideológica, é humana. Mas a verdade é que festeja-se demais a queda de um muro que existiu e dividia uma cidade, mas esqueceram de fazer tombar com ele outros tantos. Sejam os que vieram depois, como o que Israel levantou contra os palestinos ou os EUA levantam frente ao seu vizinho, México, sejam os que, mesmo sem o Muro de Berlim, continuam mais de pé do que nunca e desde sua queda se fortificaram mais ainda.
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