sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Algo Absurdo

Aqui onde moro, em Prudente, a música sertaneja, mais do que uma preferência, chega quase a ser uma imposição. Ou se gosta ou você fica fora das rodas e das melhores (?) festas, das melhores baladas. Pessoalmente não gosto, mas fora piadas eventuais e comentários ácidos sobre a nova onda do sertanejo, o famigerado sertanejo universitário, quero que eles façam lá o sucesso deles desde que não invadam minha casa.

Gosto do sertanejo, mas o sertanejo antigo, aquele casto, rústico, simples em que era preciso duas violas, lembranças do chão onde se mora ou morava e amores, a maioria bem sucedidos e não essa dor de corno assumida a nos impingir choradeira. Das duplas novas, todas iguais, não distingo nomes (Jorge e Mateus é quem e Victor e Léo é qual?) e muito menos músicas, todas sem-vergonhamente iguais.

Então ao ouvi-los por osmose, logo recorro a Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, Belmonte e Amarai, vou vindo e encontro José Rico, Matogrosso e Mathias, Gilberto e Gilmar, os novatos Chitãozinho e Xororó. E paro por aí. O que vem depois não me diz nada. Virou coisa cornomântica, sem graça, sem sentido.

Claro que, dentre uma maravilha e outra, encontro músicas que prenunciaram o que estaria por vir, como esta, O Último Pôr do Sol, do Gilberto e Gilmar, que eu não conhecia, mas que alguns amigos, em roda de conversa e gozação, me mostraram com atenção especial à parte sublinhada:

Pra ficar numa boa,

Conquistar uma pessoa,

De mim dei tudo,

Meus cabelos enrolei,

Nas orelhas coloquei

Um brinco absurdo

Minhas roupas bonitas

Troquei por esquisitas,

Não me sentia bem.

Eu que tinha tudo

Mudei meu mundo

E o visual também.

Falando na gíria

Contando mentira

Fui chegando

Cigarro aceso

Queimando meus dedos

Chiclete mascando

Então me declarei

Mas nunca pensei

Que fosse assim

Ouvi da sua boca

Dá o fora trouxa

Sai de mim

Hoje eu quero voltar

Ao meu lar e ser como sou

A família rejeita, não me aceita

Pra eles perdi o valor

Vivo pedindo carona

A procura de um lugar melhor

Agora só resta ver o último pôr do Sol.

A letra não é de toda ruim. Conta mais um caso de amor fracassado, mais uma vez que um cara (ou uma mulher, pelo que julguei, perfeitamente aceitável. Veja só, música sertaneja com eu-lírico feminino) que tomou o pé na bunda da mulher, o que seria freqüente nas composições a seguir. Mas atenhamo-nos à parte citada especificamente. O que, cargas d´água, vem a ser um brinco absurdo? Alguém já viu um brinco absurdo na vida? Imagine uma mulher numa loja:

- Boa tarde, eu queria comprar um par de brincos, mas eu queria um brinco absurdo.

- Temos este aqui, senhora.

- Não. Este só está feio.

- E este aqui?

- Não, não, esse nem chega a ser ridículo!

- Então me desculpe, senhora, mas brincos absurdos nós não temos. Mas vai chegar na segunda.

- Então, eu volto segunda. Obrigada.

- Disponha.

A rima é falsa como outras na música (gíria-mentira, tudo-mundo), mas a escolha da palavra absurdo pra essa ocasião foi extremamente infeliz. Tudo bem, como disse, a julgar pelo que veio depois, esta música pode ser considerada uma linda poesia na qual alguém pudesse se inspirar e escrever coisas como “Eu vou fazer um leilão/Quem dá mais pelo meu coração” ou, claro o “Seu guarda/ Eu não sou vagabundo/ Eu não sou delinqüente/Eu dormi na praça/Pensando nela”.

Assim segue a música brasileiro procurando mais e mais o seu fundo.

Um comentário:

  1. Na época em que esta música foi gravada, início dos anos 80, usar brinco era coisa absurda, pelo menos aos olhos da sociedade. Daí a razão de ele usar um "brinco absurdo", ou seja, para conquistar a moça, ele chegou a esse ponto.
    Interessante o seu ponto de vista sobre a música, gostei bastante dos seus comentários.
    O incrível é que a música foi feita após o "fora" que ele levou da pessoa pretendida, então ele a canta com a maior consciência pesada do mundo, reconhecendo que foi uma tremenda mancada essa investida.
    Eu interpretei também que no final ele não diz "agora resta ver o último pôr-do-sol", e sim "agora só resta o que? o último pôr-do-sol".
    Essa parte passa uma ideia de que tudo está perdido e ele pretende se suicidar... será?
    De uma forma ou de outra, meus parabéns pelo brilhantismo.

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